Mário de Andrade, em sua emblemática conferência de 1942, no então Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, ao apontar para o caráter “avassalador” do espírito modernista, identifica nele não apenas “todos os germes da atualidade”, mas também o sintoma de “uma convulsão profundíssima da realidade brasileira”. O autor de Macunaíma realiza um (auto)exame em torno tanto da dimensão transformadora do movimento modernista e da atuação de seus integrantes quanto de seus limites e condições em um país marcado por profundas desigualdades sociais e instabilidades políticas. Nesse sentido, o modernismo representa, ainda hoje, modos de se pensar e de se (re)construir o Brasil a partir de seus aspectos culturais, sociais e (cosmo)políticos, considerando a diversidade de sua configuração e a atuação heteróclita de seus agentes.
Este dossiê, assim, pretende reunir trabalhos que discutam as tensões e revisões dos sentidos de nacionalidade propostos pelo modernismo brasileiro a partir de seus pressupostos programáticos e desdobramentos. Em vez de celebrar episódios tidos como centrais na consolidação do movimento, como a Semana de Arte Moderna de 1922, pretende-se adotar perspectivas descentradas e anarquivísticas sobre figuras, eventos, textos e ações decisivas para as rupturas propostas pelos agentes do movimento, no sentido de “dar uma alma ao Brasil”, como afirmara Mário de Andrade em carta a Carlos Drummond de Andrade, em 1924, depois resgatado pelo rapper Emicida em documentário sobre seu show no mesmo Theatro Municipal que havia, há pouco mais de cem anos atrás, recebido artistas e intelectuais engajados na nova estética.
Assim, espera-se artigos que apresentem (re)leituras críticas de poemas, romances, contos, crônicas, relatos de viagem, cartas, canções, ensaios, desenhos, performances, peças de teatro, pinturas, edificações, danças, entre outros textos, verbais ou não-verbais, em suas travessias e atravessamentos realizados pelos modernismos constitutivos da trama do complexo e inacabado texto, ou tecido, que compõe o Brasil.
O dossiê será, portanto, composto por trabalhos que discutam (mas não somente) questões relativas aos seguintes temas:
• Modernismo, estado e cultura
• Escrita literária e experiências artísticas no modernismo
• Relações e tensões entre cultura popular e o conceito de nacionalidade
• Arquivos literários e o modernismo
• A epistolografia modernista
• Cosmopolitismo, modernismo e cultura nacional
• Artes visuais e o modernismo no Brasil
• Perspectivas interartísticas e as figurações da nacionalidade no modernismo
• Estéticas e políticas nos modernismos
• Os modernismos negros na cultura nacional
• Questões de gênero e sexualidade no modernismo
• Materialidades, objetos e tecnologias
• Modernização, espaços e cidades