Márcia Bernardes. Periodista y profesora de comunicación en la Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
Resenha do livro Comunicação para a Cidadania: Temas e Aportes Teórico-Metodológicos, BARBALHO, Alexandre; FUSER, Bruno; COGO, Denise. (orgs.). São Paulo: Intercom, 2010. 333 p.
Pensar a questão da cidadania em sua relação com a comunicação é fundamental para a discussão e o entendimento de perspectivas importantes do nosso tempo como as identidades culturais, as questões de gênero, a comunicação popular, as transformações tecnológicas e seus impactos.
A obra Comunicação para a Cidadania: Temas e Aportes Teórico-Metodológicos propõe contribuições sobre esses temas por meio de 15 artigos de pesquisadores brasileiros vinculados a diferentes universidades. Conforme afirmam os autores no prefácio, a obra busca responder aos desafios propostos na ementa do Grupo de Pesquisa Comunicação para a Cidadania da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), priorizando “estudos sobre ações e práticas comunicacionais alternativas e comunitárias envolvendo as apropriações e os usos das tecnologias da comunicação pelas redes de movimentos sociais no contexto da sociedade globalizada que envolvam perspectivas cidadãs relacionadas à diversidade cultural e à interculturalidade e em que estejam implicadas noções e / ou interfaces com classe social, gênero, geração, etnia, religião, regionalismo e migrações, além de outras experiências identitárias e minoritárias” (p.11).
A partir desse conjunto de textos, o livro proporciona uma leitura sobre comunicação e cidadania considerando uma multiplicidade de conceitos e temas, mas que se relacionam a partir do eixo da cultura. A diversidade dos estudos publicados reforça a amplitude que o tema cidadania assume e permite aos leitores a inserção em abordagens e saberes diferenciados. Essa diversidade na seleção dos trabalhos publicados e dos temas abordados indica a preocupação dos autores em permitir e incentivar o debate e em trazer aos leitores conexões entre teoria e empiria a partir da experimentação de distintas perspectivas metodológicas nas pesquisas desenvolvidas que geraram os artigos.
Entendendo que a cidadania tem uma pluralidade de dimensões, os autores buscaram traçar eixos articuladores entre os artigos, destacados pelos organizadores no início do livro. Os quatro primeiro artigos versam em torno da comunicação alternativa e comunitária, sobre a cidadania, a educomunicação e a transmetodologia. Cicília Peruzzo, em seu artigo Aproximações entre comunicação popular e comunitária e a imprensa alternativa no Brasil na era do ciberespaço realiza um resgate histórico sobre a comunicação alternativa, especificamente o jornalismo alternativo em sua relação com a comunicação popular e comunitária e o uso do computador como ferramenta para revolucionar os processos de comunicação alternativa.
Já a criação de “espaços comunicacionais transnacionais para o exercício da cidadania, através da apropriação e usos das tecnologias da comunicação” (p. 41) é o que propõe a pesquisadora Denise Cogo no artigo Comunicação, Cidadania e Transnacionalismo. Após um breve resgate histórico conceitual, a autora aborda a comunicação cidadã transnacional e as práticas comunicativas dos migrantes, analisando a apropriação dos processos e espaços de circulação e consumo das mídias por parte desse público.
No terceiro artigo, intitulado Transformação tecnocultural, cidadania e confluências metodológicas, Alberto Efendy Maldonado reflete sobre as revoluções técnicas e culturais vivenciadas nas últimas décadas e sua relação com os processos comunicacionais. A partir disso, busca demonstrar a necessidade de uma “confluência multimetodológica para estruturar, trabalhar e resolver as problemáticas em comunicação” (p. 75), de caráter transmetodológico, contribuindo para uma perspectiva de cidadania comunicacional.
A abordagem das autoras Cláudia Regina Lahni, Fernanda Coelho, Laila Cupertino Hallack e Ludyane Chaves Agostini tem como temática a educomunicação. No artigo Educomunicação e cidadania: conceitos e práticas na produção acadêmica entre 2004 e 2008, as autoras buscam apresentar o estado da arte de pesquisas e projetos de Educomunicação, a partir do mapeamento e da discussão da produção acadêmica relacionada à perspectiva educomunicacional.
Outro eixo temático do livro parte de questões relacionadas com a juventude, tema abordado em dois artigos. O primeiro deles, intitulado Agenciamentos audioviuais e o desejo de singularizar, de Deisimer Gorczevski mostra a experiência de jovens comunicadores comunitários que buscam uma ‘outra visibilidade’ (grifo da autora) a partir da produção de agenciamentos audiovisuais coletivos. Outro texto, intitulado Tensões e mediações no jornalismo estudantil: a experiência do Projeto Clube do Jornal, artigo de Alexandre Barbalho e Francisco das Chagas Alexandre Nunes de Sousa, analisa a atuação da ONG Comunicação e Cultura (CeC), a partir do Projeto Clube do Jornal (PCJ), “que promove a publicação mensal de jornais feitos por grupos de estudantes de ensino médio” (p. 131). O texto aborda o contexto sócio-histórico da ONG e o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo juvenil por meio do projeto.
Quatro textos convergem em torno de questões relativas à identidade de gênero e à sexualidade, conforme destacam os organizadores (p. 12). No primeiro deles, Karina Janz Woitowicz discute em A mídia alternativa na defesa dos direitos reprodutivos: discursos sobre o aborto na agenda política feminista, a descriminalização do aborto, buscando na produção de discursos contra-hegemônicos nos veículos de comunicação alternativa produzidos por organizações feministas um lugar de fortalecimento e visibilidade das questões das mulheres.
Já Maria Luisa Martins de Mendonça e Janaína Vieira de Paula Jordão abordam as representações midiáticas da classe trabalhadora no filme Domésticas no cinema: identidade e representação. A representação das trabalhadoras domésticas no cinema a partir de estereótipos e de uma matriz cultural excludente e preconceituosa é analisada no artigo das autoras, para quem “o que os filmes mostram não é o que está disponível na cultura brasileira e nas representações que comumente se constroem sobre essas profissionais, mas parte do que está na cultura” (p. 186).
A ampliação da visibilidade pública que gays, lésbicas, bissexuais e travestis vêm alcançando na mídia e em outros setores estratégicos motivou o estudo de Fernando Luiz Alves Barroso. Em Os homossexuais na mídia segundo militantes, acadêmicos e jornalistas, o autor reflete sobre as identidades homossexuais forjadas pela cultura da mídia e a utilização de estratégias de controle político e cultural nos discursos midiáticos a respeito da população homossexual. O artigo Fotografias que revelam as faces identitárias da imigração, de Denise Teresinha da Silva. relaciona gênero e migração, buscando na fotografia o elemento de reconhecimento dos imigrantes como pertencentes a uma determinada cultura.
Outros três textos apontam a relação da comunicação com questões étnicas. Em Identidades culturais e cidadania no contexto dos processos comunicacionais Kaigang na Região Metropolitana de Porto Alegre, a pesquisadora Carmem Rejane Antunes Pereira apresenta reflexões teórico-metodológicas em torno da identidade cultural no âmbito dos processos comunicacionais Kaigang.
Luciene de Oliveira Dias aborda a experiência de uma rádio-poste no Quilombo Barra de Aroeira, sob a perspectiva da recepção, com “o objetivo de fortalecer as discussões sobre recepção no processo de implementação do que vem sendo chamado de comunicação comunitária” (p. 255). Além de uma simples onda: recepção, cidadania e radio-poste no Quilombo Barra de Aroeira destaca a experiência de comunicação realizada na comunidade quilombola, direcionando a reflexão para o desafio de democratizar a informação na busca pela cidadania.
Em Cultura e comunicação popular: o trabalho comunicativo de uma comunidade no sertão dos Inhamuns, Ceará, pela santificação de uma escrava, relaciona a questão étnica com a religiosidade. Os autores Catarina Tereza Farias de Oliveira e Edilberto da Silva Mendes resgatam aspectos da cultura popular e dos usos da comunicação popular e buscam problematizar o trabalho comunicativo em torno da santificação da Santa Marciana, uma escrava cuja existência não foi comprovada, mas que se mantém viva na memória local e é cultuada como santa pela população, que utiliza a oralidade, o cordel e o teatro como estratégias midiáticas para sustentar esse status.
Para encerrar o livro, os dois últimos textos falam sobre o caráter mobilizador e político da comunicação cidadã, a partir de experiências de movimentos sociais. A comunicação como estratégia de organização e atuação política: o caso da Central de Movimentos Populares (CMP) Regional Londrina, segundo os autores Rozinaldo Antonio Miani e Lorène Monique Lairé se dedica à análise das concepções e estruturas das práticas comunicativas dos movimentos sociais e populares representados pela CMP regional de Londrina.
Por último, o artigo de Márcia Vidal Nunes, Antônio Simões de Menezes e André Gurjão Carvalho apresenta um itinerário analítico das relações entre movimentos sociais e a mídia. No artigo A auto-imagem do MST na “Revista sem Terra”: a guerra simbólica através da mídia, os pesquisadores propõem uma compreensão da revista focada nos editoriais e matérias principais no período de 2006 a 2007, buscando identificar como a mídia produzida pelo movimento constrói a auto-imagem do MST.
O livro Comunicação para a Cidadania: temas e aportes teórico-metodológico comemora os dez anos do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cidadania da Intercom, contribuindo para o reconhecimento das variadas lógicas que compõem a pesquisa em comunicação e cidadania no Brasil. O conteúdo reunido nessa obra certamente contribui para uma visão descentralizada sobre o tema, articulando uma diversidade de questões teóricas e práticas.
A obra Comunicação para a Cidadania: Temas e Aportes Teórico-Metodológicos, publicada pela Intercom (333 pgs.) é o quinto volume da Coleção Verde-Amarela (O brado Retumbante).