A narrativa é considerada uma das mais importantes formas de apreensão cognitiva do ser humano, mas nos últimos tempos tem sofrido transformações significativas em virtude do desenvolvimento de novos suportes mediáticos, que geraram novos desenvolvimentos, possibilidades e desafios na relação com a forma narrativa e a sua criação.
Cada uma das inovações tecnológicas, desde a escrita até à imprensa, do vídeo aos jogos digitais, trouxeram mudanças na relação entre a forma narrativa e os seus públicos. A proliferação de ecrãs e o uso maciço de internet e dos smartphones possibilitaram o acesso individualizado a narrativas escritas, sonoras, audiovisuais e multimédia de uma forma personalizada, permanente e persistente. Esta evidência potenciou a expansão da convergência dos media e a emergência de narrativas transmedia e mundos ficcionais partilhados por diferentes plataformas e dispositivos, que podem impactar realidades sociais, culturais e políticas. A narrativa mudou do domínio do contador de histórias para um processo marcado por reciprocidade, negociado entre autor e recetor.
Por outro lado, a interatividade, e a consequente promoção do recetor a agente da narrativa, introduziram múltiplos desafios à Narratologia e têm obrigado a uma reconfiguração profunda desta disciplina. A emergência de narrativas não lineares e multilineares exigiu perspetivas interdisciplinares mais abrangentes, por exemplo, a interatividade no cinema e na televisão promoveu a criação de artefactos híbridos que exigem ferramentas e métodos multidisciplinares adaptados aos seus modos únicos de expressão e processos narrativos. Por outro lado, também as narrativas criadas para plataformas de media digitais estabelecem vínculos com a narrativa cinematográfica e a própria literatura, no âmbito da intertextualidade, da estética e das estruturas narrativas. Origens semelhantes podem ser associadas ao teatro, aos jogos analógicos e a muitas outras formas, que conduzem a novos processos de criação de narrativa interativa e de produção de sentido por parte do público.
A estes desafios somam-se a facilidade e massificação da produção de narrativas. Dispositivos do quotidiano, aplicações gratuitas e inteligência artificial são suficientes para gerar narrativas de elevada sofisticação, que podem potencialmente atingir milhões de pessoas, mas também podem ser ignoradas ou rapidamente esquecidas. Deste modo, as narrativas têm sido também desvalorizadas, apesar do seu uso na educação, entretenimento, campanhas mediáticas, propaganda e engenharia social.
Este dossiê procura refletir de que forma elementos sociais, tecnológicos e culturais têm transformado a própria criação de narrativas, na sua relação com os suportes em que se baseiam e na relação que estabelecem com a atenção, interação e agenciamento do público. Estes tópicos poderão ser explorados na sua aplicação em diferentes media e campos, como fóruns online, fandom, movimentos sociais, dispositivos móveis, media imersivos, jogos, etc.
Assim sendo, os artigos podem incidir, ainda que não exclusivamente, nas seguintes linhas de investigação:
- Processo de criação de narrativas interativas em filmes, jogos digitais, microdramas, webseries, intermedia e outras plataformas digitais;
- Ferramentas de IA da próxima geração na produção de narrativas;
- O impacto da globalização dos media na construção narrativa;
- Desenvolvimento de novos formatos narrativos;
- Modos de interação na narrativa;
- Narratologia perante os novos desafios da cultura digital;
- O impacto das redes sociais na construção da narrativa;
- Conteúdos narrativos como componente cada vez mais fulcral das redes sociais;
- Modalidades de representação e identidade nas narrativas interativas;
- Avaliação e usabilidade nas narrativas interativas;
- Narrativas interativas como ferramentas de marketing e propaganda;
- Utilização das narrativas no norte e sul globais e por povos indígenas ou grupos marginalizados
