Resenha do livro "O pensamento sentado – Sobre glúteos, cadeiras e imagens" de Norval Baitello Jr. preparada por Natália Constantino Diogo, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero (em São Paulo, Brasil).
Vivemos em um contexto em que a prática do pensamento se acomodou, não faz esforços, está linear demais, pois o ser humano se acomodou, vive sentado, passivo. Esta é a principal questão que Norval Baitello Junior, docente da PUC-SP, tenta decifrar no livro O Pensamento sentado – Sobre glúteos, cadeiras e imagens. Mantendo um raciocínio condizente com o tema abordado, o autor procurou escrever capítulos curtos, leves e ‘saltando’, como ele mesmo disse, entre diversos pontos relacionados ao assunto.
Nietzche já havia falado sobre o Sitzfleich – cujo significado literal é carne do assento, mas, numa tradução mais adequada ao momento, é sedentarismo – combinado com o ativismo visual extremo. O pensador aconselhava não dar crença a um pensamento que tivesse origem nessa situação. Um pensamento sem saltos, impulsos ou vivacidade, portanto, previsível e acomodado, nas palavras de Baitello.
O humanista e antropólogo britânico Ashley Montagu salienta que entre os primatas (como lêmures, társios, macacos ou gorilas, por exemplo) o homem foi o único a não ter mais seu abrigo nas copas das árvores. Ao se tornar ereto, perdeu a agilidade para os saltos e a leveza do habitat suspenso. O ser humano passa a desenvolver glúteos fortes, encarregados da manutenção dessa postura.
E agora o ser humano passa a caminhar, a andar, correr perigo, conhecer. Entretanto, em determinado momento ele acaba por se assentar, criar pequenas aldeias e, mais a frente, as civilizações. E, nas palavras de Baitello, acalmar o andarilho inquieto é sedar sua necessidade de movimento e a capacidade de explorar o mundo. Talvez não seja por acaso que sentar e sedar, portanto, venham da mesma palavra latina, sedere.
Como o autor de O Pensamento Sentado diz, foram 10 mil anos de assentamentos em aldeias fixas e trezentos anos em cadeiras nos transformando em homo sedens, o homem sedado e sedentário.
Se assim terminasse o texto de Baitello as preocupações já seriam sérias, mas o autor alerta para outros fatores ocasionados pelo assentamento de corpos e ideias. Na sociedade midiática, estes corpos, que no passado já haviam se tornado mediáticos por meio de imagens pintadas e adereços, hoje estão sentados e abrigados em almofadas glúteas e almofadas sintéticas. O ser humano está sempre observando o mundo através de janelas, rodeado de imagens que nada mais são do que o recorte da realidade, sejam estas as janelas dos carros ou as janelas sintéticas dos computadores, as milhares de telas que nos circundam.
Para Baitello, somos nômades que deixamos o corpo nos depósitos de corpos, as cadeiras. A diferença entre o mundo na copa das árvores, multidimensional e multidirecional, onde há visão dos perigos, hoje o homem mantém distância e alerta, para o mundo bidimensional do caminhar plano, onde vê-se apenas o horizonte, mas antecipa-se o futuro, sejam chuvas ou um ataque de animais, para o universo parado, das telas, nulodimensional, conforme termo de Vilém Flusser também utilizado por Baitello; um universo onde há uma domesticação do mundo, onde qualquer um pode passear pelo Museu do Louvre de Paris ou por qualquer outro lugar através internet sentado e sedado.
O sociólogo do corpo e originalmente professor de educação física e dança, Dietmar Kamper, em palestra proferida no Brasil, declarou que para cada habitante há quatro cadeiras, ou seja, somos sete bilhões de habitantes num mundo com 28 bilhões de cadeiras. Este número incômodo mostra como há um nomadismo sem corpo pelas janelas sintéticas ou mesmo pelas janelas reais dos carros, nossos tronos sobre rodas. É a substituição, segundo Baitello, do flâneur, que observa o mundo que o cerca ao caminhar, pelo vouyeur, que tem a necessidade de olhar sem agir, olhar através das janelas que não levam ao outro, o olhar sentado.
É o poder do retângulo na cultura ocidental, segundo o jornalista, escritor e cientista político, Harry Pross. Onde as janelas de nossas casas, as páginas dos livros, cadernos, jornais, telas de televisão, telas de computador, tudo tem este formato e nosso olhar passa a desejar retângulos para ver ao redor. E o retângulo é uma forma de domesticar olhares, além de, e principalmente, simplificar o mundo que nos cerca e tornar o ser humano dependente das janelas, sejam sintéticas ou não, que mais escondem do que mostram, torná-lo curioso a sempre querer ver mais.
Mas com, o excesso de imagens da contemporaneidade, estas janelas inflacionadas, houve uma crise da visibilidade, conforme Kamper aponta nas páginas escritas por Baitello. Nós vemos e não vemos ao mesmo tempo, são tantas imagens que não prestamos atenção. É o excesso de imagens externas, exógenas, como lembra Baitello utilizando o conceito do historiador da arte Hans Belting, que nos faz esquecer que podemos sonhar, pensar, fantasiar, produzir imagens endógenas, ou seja, imagens internas. É o excesso de imagens e o excesso de cadeiras que fez com que o ser humano assentasse seu pensamento, não se esforçasse para sair do comodismo e das ideias preguiçosas e sedentárias, tão sedentárias como seu próprio corpo.
Doutor em Ciências da Comunicação e Literatura Comparada pela Universidade Livre de Berlim e atualmente professor titular na pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Baitello possui também outros oito livros publicados (como autor ou organizador) em português, alemão e espanhol, além de muitos artigos voltados à área da comunicação.
O pesquisador, neste seu mais recente livro, que já foi pensado, segundo ele, andando, nadando e dançando, procurou fazer um texto para ser lido em movimento, em formato de bolso e com capítulos curtos, incentivando o fim do pensamento sentado e o nascimento de um pensamento leve, saltitante, nômade.